quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Danos decorrentes de fenômenos da Natureza e fato de terceiro.







Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza, como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações, deslizamentos de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais eventos não são causados por agentes do Estado. A chuva, o vento, a tempestade, não são agentes do Estado; nem o assaltante e o saqueador o são. Trata-se de fatos estranhos 'a atividade administrativa, em relação aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a reponsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa Constituição não adotou a teoria do risco integral.
A Administração Pública só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado pela maioria da doutrina e jurisprudência. Essa é a precisa lição de Hely Lopes Meirelles: "Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares. Nestas hipóteses a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culda da Administração".
No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele ou autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo".
É que, em princípio , cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre arguir que o serviço não funcionou. A admitir-se responsabilidade objetiva nessas hipóteses o Estdo estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assitiram 'a ocorrência inertes e desinteressados ou se alertados a tempo de evitá-lo omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.

(Programa de Responsabilidade Civil, 3ª ed., Ed. Malheiros, pp. 203-204)
Getúlio Cêrca de Almeida Santos
OAB/RJ 128 629