sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A vida moderna e seus venenos obrigatórios (III)

20/10/2008
Por Najar Tubino*
É difícil definir o que é mais perigoso, complexo ou arriscado, no tema dos químicos sintéticos. Mas, sem dúvida, o mais sensível, está ligado à alimentação. Como são produzidos os alimentos que consumimos, principalmente, hortifrutigranjeiros – verduras, legumes? Quais venenos são usados, de que forma? Qual a quantidade de resíduo encontrado? Quem fiscaliza? São perguntas objetivas, que trazem respostas, as vezes, escandalosas, no caso brasileiro.
Em primeiro lugar: o Programa de Controle de Monitoramento e Controle de Resíduos, da Agência de Vigilância Sanitária(Anvisa), do Ministério da Saúde, iniciou apenas em 2001.
Envolve 16 estados. As amostras são coletadas em supermercados. No relatório divulgado em abril deste ano, sobre resíduos em nove produtos –alface, batata, morango, tomate, maçã, banana, mamão, cenoura e laranja- com 1.198 amostras, a ANVISA encontrou o seguinte. Citando apenas três produtos de grande consumo: tomate, morango e alface. Das 123 amostras de tomates, 55 estavam irregulares. Técnicos encontraram um inseticida organofosforado (monocrotofós), teve seu uso proibido em novembro de 2006.
Usam os proibidos
Também encontraram outro inseticida organofosforado (metamidofós) no tomate de mesa, e ele só é autorizado na cultura de tomate industrial. A ANVISA autoriza a utilização de 128 produtos químicos na plantação de tomate. O metamidofós também foi encontrado no morango e na alface, mesmo não sendo autorizado nestes plantios. O agrônomo, Dalmo Polastro, em sua tese de mestrado "Ecologia de Agrossistemas" – estudo de casos de intoxicação ocasionada pelo uso de agrotóxicos no Paraná, no período 1993-2000 – apresentada na ESALQ(Piracicaba), em 2005, apontou, os agrotóxicos organoclorados BHC, Aldrin e DDT, como a quinta causa de intoxicações. Os três foram proibidos em 1985.
Receituário Ignorado
Uma das maiores conquistas no controle do uso e das quantidades de agrotóxicos, o Receituário Agronômico, implantado legalmente a partir de 1989, está sendo ignorado.Virou rotina burocrática. Não têm dados digitalizados, não tem um sistema de informação nacional. A professora da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Pelotas(RS), Neice Müller Xavier Faria, fez um estudo sobre "os sistemas oficiais de informação e desafios para realização de estudos epidemiológicos", decorrentes do uso de agrotóxicos. Ela também realizou uma pesquisa com agricultores familiares e trabalhadores rurais na serra gaúcha, nos municípios de Antônio Prado e Ipê.
Conseguiu analisar informações de receituários agronômicos de 1996, foram digitalizados pelo CREA-RS: 217 mil formulários.
- A tentativa de controle destes produtos, diz a professora, iniciada a partir do RS...este instrumento tem sido criticado por ter se desviado de seus objetivos originais, se resumindo atualmente em um mero ritual burocrático sem eficácia, como forma de controle do uso de agrotóxicos".
Quantas toneladas?
Dos 217 mil receituários analisados 18% não registraram o município de origem da venda, 58% não tinham a quantidade de área e 63,5% não tinha a quantidade prescrita do produto químico. Dos preenchidos corretamente concluíram que os agrotóxicos comercializados eram: 54% herbicidas, 24% inseticidas e 13% fungicidas. A média de utilização por 1 mil hectares de lavoura estava distorcida. O IBGE calcula em 21,9 ton/1000ha para a soja e 11,5 ton/1000ha para o milho. No caso dos receituários pesquisados as quantidades estavam invertidas: 10,7 ton, no caso da soja e 26,2ton, no caso do milho.
Neice Faria, que atualmente trabalha na vigilância sanitária de Bento Gonçalves(RS), também constatou a dificuldade de saber a quantidade total de agrotóxicos empregados no agronegócio brasileiro. O Sindag (Sindicato Nacional das Indústrias de Defensivos Agrícolas), até 2006 publicava os números de quantidade por estado, produto e princípio ativo. Não existe mais esta informação. O número usado por Neice Faria é de 2001, quando o Brasil consumiu 328.413 toneladas. No mundo são mais de 3 milhões de toneladas. O Brasil, na época, era considerado o quinto mercado consumidor de agrotóxicos. Agora é citado como o segundo.
Mudança na classificação
Mais importante: em 1992 o Ministério da Saúde, através da portaria número 3 de 16/01/1992, alterou as regras de classificação toxicológica para se adequar aos padrões internacionais. Os agrotóxicos são definidos por quatro classes: I (extremamente tóxico),II (altamente tóxico), III (moderadamente tóxico), IV(pouco tóxico).
Um exemplo de agente químico alterado, o Glifosato, da marca comercial Roundup (Monsanto), era classe II e atualmente é classe IV. Casualmente, logo em seguida, começou a campanha de liberação dos transgênicos, cujo produto mais requisitado, como herbicida, é o glifosato.
Sindag suspendeu reavaliação
Como dizia um jornalista, na época em que investigavam as coisas, em alguns caos não existe coincidência, é armação mesmo. É como assistir a morte de uma testemunha importante, que morreu de dor de barriga, acidentalmente. Porém, no caso da indústria química, ela não deixa dúvidas sobre sua atuação histórica.
Em julho de 2008, o Sindag conseguiu uma liminar na 13ª Vara da Justiça Federal de Brasília, com objetivo de suspender a reavaliação de agrotóxicos, que a ANVISA iniciou a partir de 2001. Este ano ocorreu uma mudança. Ao invés de apenas os organismos oficiais, como os ministérios da saúde, agricultura e IBAMA, participarem da análise – além da indústria -, foram instaladas audiências públicas, com a participação de outras entidades da sociedade civil.
Inseticida Proibido
A ANVISA tinha programada a reavaliação de 14 substâncias. O Sindag conseguiu bloquear nove princípios ativos: triclorfom, parationa metílica, metamidofós, fosmete, carbofurano, forato, endossulfam, paraquat e tiran. No Brasil o registro de um agrotóxico não tem prazo de validade definido. Na Europa são 10 anos, podendo ser alterado, a qualquer momento. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental(EPA) está realizando um amplo programa de reavaliação sobre efeitos de agrotóxicos no ambiente e na saúde humana. Estão sob análise 1.150 princípios ativos, organizados em 613 grupos. Nos últimos anos a EPA cancelou 229 registros.
Só para atualizar: o endossulfam, em 2004, foi o segundo inseticida mais usado no Brasil, é considerado cancerígeno, e afeta o sistema nervoso. Foi proibido na Europa em 2005. A parationa metílica foi proibida na Europa em 2003, é um inseticida organofosforado, citado como quarto na lista da comercialização, e é empregado no cultivo de algodão, alho, arroz, batata, cebola, feijão, soja, milho e trigo.
Crianças e adolescentes
A atividade agrícola é uma das mais perigosas no mundo. Anualmente, no mínimo, três milhões de trabalhadores ou produtores são contaminados, com 220 mil mortes, segundo a Organização Mundial de Saúde. No Brasil, com forme o IBGE, mais de 18 milhões de pessoas trabalham na atividade agrícola, sendo cerca de quatro milhões crianças e adolescentes.
O índice de analfabetismo na faixa de idade, acima de 15 anos, na área rural, é de quase 28%, enquanto na urbana, cerca de 10%. Ler, neste caso, é uma questão de vida ou de morte. De sofrer uma intoxicação aguda ou crônica.
Ler o rótulo
Um grupo de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) , pesquisou durante cinco anos (1998 a 2003), os 600 moradores do Córrego São Lourenço, a 45 km de Nova Friburgo (RJ). A região é a maior produtora de hortifruti e de flores do Rio de Janeiro. 32% dos adolescentes eram analfabetos, e 58% da população em geral. Eles produzem 1.750 toneladas de tomate e 600 toneladas de couve-flor, usam mais de 100 formulações químicas –durante o ano.
Um dos agrônomos oficiais, responsável pela orientação técnica, dizia em palestra aos trabalhadores: leiam o rótulo direitinho. O Brasil é um dos maiores produtores de grãos e carne do mundo. Entretanto, no quesito saúde e controle de resíduos está na pré-história.
* O autor é jornalista no Rio Grande do Sul e palestrante sobre meio ambiente.

Fonte: Envolverde / Ecoagência / Liz - Agente da Paz.